Ao abrir uma empresa, todo empreendedor brinda à vida longa e próspera. Raríssimos, entretanto, beberão desse cálice. Mesmo depois de passar pela prova dos primeiros e frágeis anos de vida, as empresas tropeçam. E caem. Pesquisadores da Fundação Dom Cabral descobriram que três quartos das principais empresas do país não conseguem se manter no ranking das maiores por três décadas. Coordenador do núcleo de inovação da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda foi investigar o segredo do pequeno grupo de empresas com bateria de longa duração. Ter dinheiro em caixa, valores sólidos e um clima propício de trabalho não foram os fatores determinantes. A longevidade, diz Arruda nesta entrevista a Pequenas Empresas & Grandes Negócios, está associada a líderes que não se acomodam. São capazes de antever o futuro e transmitir a sua visão para os outros.
O que determina o sucesso das empresas ao longo do tempo?
As empresas nascentes enfrentam grandes problemas para se sustentar ao longo do tempo. O principal desafio é se viabilizar. Um empreendedor precisa fazer uma oferta que gere valor ao mercado. Conheço uma empresa que resolveu produzir um sistema inovador de coletor solar para a comunidade de baixa renda. Só que o governo brasileiro dá incentivo tributário para as casas com pouco consumo de energia elétrica. A energia tradicional é barata para essa população. Portanto, não há motivo para investir em um sistema de alta geração de energia. A ideia é interessante, mas não gera valor para o mercado. A empresa só poderia vender a sua invenção para consumidores de renda mais alta.
Uma boa ideia, então, não é suficiente?
Não. A primeira atitude que o empreendedor deve tomar é ir ao mercado e buscar informação. Ele tem que se expor. O segundo fator é a capacidade de fazer gestão de maneira eficiente. Ou seja, eu tenho que fazer benfeito o que eu faço. E a maioria das empresas não consegue passar desse ponto. Mas o que vale enfatizar é que mesmo empresas que já passaram por esse estágio e contam com uma gestão profissionalizada não conseguem sobreviver. Verificamos em nossas pesquisas que 75% das principais empresas do país não conseguiram figurar no ranking das maiores por mais de 30 anos.
O que causa essa descontinuidade?
O primeiro fator é o processo de sucessão. Somente 30% das empresas bem-sucedidas, sob a gestão do seu fundador, sobrevivem à mudança para a segunda geração. E, dessas, só metade passa da segunda para a terceira geração. Há muita dificuldade em lidar com essa questão, mesmo nas empresas que não são administradas pela família. Geralmente se espera o fato acontecer, como um problema de saúde ou a saída de um profissional, para procurar uma solução. Deveria se trabalhar antes a missão, os valores, a cultura e a história.
Mas não basta publicar um livro com a história da empresa ou escrever a missão, não é?
Definitivamente, não. Os valores têm que ser aprendidos no dia a dia. Não pode haver uma descontinuidade de gestão, uma situação em que a pessoa que entra não conviveu com a pessoa que saiu. Tem que ser uma corrida de revezamento em que um ajuda um pouco o outro a seguir em frente. Foi o que aconteceu em empresas como Porto Seguro e Banco Itaú. O executivo que sai continua trabalhando com o que está entrando por dois, três, ou até cinco anos. Os valores são assim transferidos de maneira harmoniosa.
O que mais conta para a longevidade empresarial?
A necessidade de a empresa crescer sempre. Nossas pesquisas mostram que um dos fatores fundamentais para a perenidade de uma companhia é a sua capacidade de combinar crescimento contínuo com geração permanente de resultados. A empresa precisa estar sempre se renovando e se desafiando frente ao mercado. Se para de crescer, acaba se comprometendo no longo prazo.
Para crescer constantemente, ela não tem que correr riscos?
A empresa não consegue sobreviver no longo prazo sem correr risco e inovar. Não é o risco de fazer errado, mas de buscar soluções e de ousar. Mas não é preciso, para isso, criar novos negócios e produtos. Dá para crescer fazendo mais do mesmo. Uma empresa pode ampliar sua oferta na cadeia produtiva, oferecer serviços que agreguem no mesmo mercado em que atua. Mas tanto nas grandes como nas pequenas empresas, a inovação é difícil. As pequenas muitas vezes se satisfazem com a opção que têm. E as maiores criam regras que dificultam o crescimento, priorizando o resultado no curto prazo. Ou então os dirigentes das empresas ficam tão inebriados pela própria imagem de sucesso que não conseguem mudar. Eles se esquecem que o negócio é fruto de um desafio. Uma empresa pode falhar em vários campos, mas não pode deixar de se desafiar. Muitos empreendedores com negócios de médio porte me dizem: “Estou precisando parar para fazer um balanço”. É uma atitude arriscada. Crescer desordenadamente é pior. É preciso saber aonde se quer chegar e se planejar para isso.
Há uma forma de planejar o crescimento?
Sim, há empresas que conseguem planejar. Suas lideranças avaliam: “Até que grau estou me desafiando? Até que ponto estou na zona de conforto? Fiz o mesmo que no ano passado? Estou me repetindo?”. Elas criam métricas para isso. O crescimento não é somente um ato criativo, mas também um processo disciplinado. O alicerce está em mobilizar as pessoas e a sua capacidade criativa de identificar novas oportunidades. Da mesma forma como todos são convidados a colaborar na redução dos custos, devemos engajá-los na proposta de crescimento. Cada contato de um funcionário com o cliente é uma oportunidade de crescimento. Existe um mito empresarial de que o valor é criado de dentro para fora. Mas o grande potencial de crescimento está em analisar as oportunidades de fora para dentro. Em oferecer produtos e serviços falando a linguagem dos clientes, detalhando os benefícios e a oferta. Um grande problema é que o modelo atual privilegia a eficiência ao redor de tarefas já estabelecidas. O gerenciamento do “conhecido” prejudica a visão de longo prazo.
É possível gerenciar o “desconhecido”?
A eficiência está em ver o presente. Mas é preciso estar olhando o que vai acontecer amanhã. Há empresas que fazem planejamento estratégico semestral, pois as mudanças hoje são muito rápidas. Outras criam mecanismos para ouvir continuadamente seus fornecedores e clientes-chave. Dão aos colaboradores espaço e mecanismos para levar para a direção informações que ouvem ou captam no mercado. É preciso ter capacidade de monitorar o meio ambiente. Algumas empresas constroem uma área de inteligência competitiva para monitorar os movimentos do mercado. Essa área precisa detectar os sinais fracos. O que são sinais fracos? Não é a patente que alguém lançou, mas um projeto de um importante centro de pesquisa que vai virar patente em cinco anos. Porque quando virou patente, já não há mais o que fazer.
O que conta mais para a longevidade: os fatores internos ou os fatores externos à empresa?
O interno é fundamental: uma empresa não sobrevive se não fizer o seu trabalho benfeito. A boa empresa, além disso, procura saber que o mundo se transforma e tenta se antecipar o tempo todo. O grande desafio da alta direção de uma empresa não é saber o que ela acha que precisa saber e sim saber o que não sabe que precisava saber. É preciso ter respostas para os problemas conhecidos, seja de negócios ou de gestão, mas também buscar novas perguntas.